RECONSTRUÇÃO PELO CUIDADO E PELA PRÁXIS: Feira de Economia Solidária e Criativa do Novo Esteio Fundamenta a Pedagogia de Paulo Freire e a Ética de Leonardo Boff

ESTEIO/RS – A Feira Popular de Economia Solidária e Criativa, realizada em 15 de novembro de 2025 no Bairro Novo Esteio, transcendeu o papel de um simples evento comercial para se consolidar como uma práxis pedagógica e ética de reconstrução comunitária. Organizada em resposta ao impacto devastador das cheias de 2024, a iniciativa, centrada nos pilares da Solidariedade, Arte, Cultura e Resiliência, materializou os ideais de educação libertadora de Paulo Freire e a ética do cuidado de Leonardo Boff através da ação coletiva e do diálogo.

Moradores do bairro Novo Esteio que também são feirantes. Oportunidades no próprio bairro.

O evento foi fruto da articulação entre o Coletivo Há Braços, a Comissão de Moradores do Bairro Novo Esteio, e a Nossa Área – Movimento pela Economia Solidária.

A Ética do Cuidado na Reconstrução Comunitária

O principal objetivo da Feira era contribuir para a “recuperação material, estrutural e emocional” das pessoas afetadas pelas inundações. Essa missão reflete diretamente o cerne da ética do cuidado, defendida por Leonardo Boff.

A ausência de cuidado se manifesta em um desenvolvimento que visa “somente lucro e uma ambição sem limites” e não se preocupa com o meio ambiente. Em oposição a essa lógica, o cuidado possui uma dimensão ontológica, significando que “Não temos cuidado. Somos cuidado”. A Feira atuou como um espaço qualificado de convivência e de solidariedade, fundamental para curar as feridas abertas no mundo contemporâneo e reverter o descuido.

Charles Scholl, coordenador da Nossa Área, enfatiza que a experiência das feiras demonstrou que atividades dessa natureza promovem “relações sociais de qualidade”, que são “cruciais para combater o isolamento depressivo” e a “falta de perspectiva” decorrentes dos traumas pós-calamidade. O cuidado, para Boff, é o “fundamento de uma nova ética” que impulsiona o ser humano a sair de si mesmo em direção ao outro—um movimento concretizado pela solidariedade que é o princípio fundante do Coletivo Há Braços.

Comissão de moradores entrega pasta com informações sobre economia solidária à Isabel

Pedagogia da Práxis e o Jardim Comunitário

A Feira no Novo Esteio serviu como um laboratório de pedagogia freireana, promovendo uma educação do cuidado da vida, do diálogo e do amor ao mundo. Freire defende que a pedagogia libertadora deve surgir “da realidade dos(as) e com os(as) oprimidos(as)”, permitindo a consciência crítica como esclarecimento da opressão.

O plantio do jardim comunitário e de árvores na praça ao lado da Escola Irmã Sibila ilustra essa práxis. A iniciativa reuniu diferentes gerações: estudantes da escola Luiza Fraga, como Andrew e Henrique, se juntaram a “moradores mais antigos do bairro” para criar uma “organização de cuidado e manutenção contínua do jardim”.

Jardim comunitário com a participação de estudantes da Escola Luiza Fraga

Essa interação intergeracional na construção do espaço público representa um ato de “conscientização” que não retira o sujeito do mundo, mas o engaja na “transformação permanente da realidade para a libertação dos homens”. A escolha do local pela Comissão de Moradores visou “valorizar e dar continuidade” ao programa de plantio da Escola Irmã Sibila, expandindo a ação para fora dos muros da escola. O professor aposentado Gildo Doebber, morador do Parque Claret, contribuiu ativamente, doando diversas mudas de árvores nativas que foram plantadas pela comunidade.

A plantação, neste sentido, é um “acordo de coexistência firmado com o futuro”, um ato de “amor ao mundo” que cultiva a responsabilidade e o diálogo, rompendo com o “sistema antidialógico e autoritário”.

Organização, Arte e A Âncora Estrutural

O evento foi viabilizado por uma robusta engenharia social organizada pela Nossa Área Movimento Pela Economia Solidária, em parceria com o Coletivo Há Braços e a Comissão de Moradores do Bairro Novo Esteio.

O Coletivo Há Braços, que se autodenomina pela solidariedade, é composto por quatro mulheres artistas e ativistas:

Daianny Madalena Costa (escultora, doutora e mestre em Educação, responsável por promover o encontro inicial de mulheres artistas).

Rosângela Mendes de Ávila (também referida como Rosângela Farofa, escritora, professora, artista e artesã).

Rosane Gouvêa (ativista da educação, da cultura e da defesa do meio ambiente).

Isabel Sommer (atua na produção de fitoterápicos, artista visual e herbalista).

Coletivo Há Braços – Daianny Rosângela, Isabel e Rosane

A arte é definida pelo coletivo como um “elemento catalisador de cognições sociais”, crucial para promover ativamente o sentimento de resiliência. A atividade cultural na Feira contou com shows e sonorização viabilizados pelo Projeto Multiação 4ª edição do IFSUL/Sapucaia do Sul. O serviço artístico-cultural (voz e violão) e a sonorização foram prestados por Rodrigo Fontoura de Oliveira e o show incluiu a participação de Daniel Mello.

O articulador e coordenador da Nossa Área, Charles Scholl, defende que essa “relação de qualidade” promovida pela Feira é a forma de superar as dificuldades comuns. Ele elaborou a viabilidade do evento articulando a simbiose produtiva entre economia solidária e economia criativa. Scholl explica que a economia solidária é a “âncora estrutural ou um solo fértil e bem estruturado”, que garante que o potencial criativo (a semente) não seja desviado para o “lucro individual” (a monocultura capitalista).

Leonardo Boff e Charles Scholl em atividade de formação de professores em Alvorada

A autogestão e a cooperação, princípios da Economia Solidária, são vistas como a alternativa estratégica para superar as desigualdades e a miséria, honrando o desenvolvimento humano, ambiental e social, e não somente o lucro. A união de forças da comunidade do Novo Esteio em 15 de novembro, materializada no jardim e na Feira, representa, portanto, a construção de uma “sociedade mais justa, inclusiva e sustentável”, construída de baixo para cima

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